INFORMATIVO 768 – ASPECTOS QUE
ENVOLVEM DIREITO CONSTITUCIONAL – PROF. CLARA MACHADO
Plenário
Ação de improbidade
administrativa: Ministro de Estado e foro competente – Pet 3240 AgR/DF, rel.
Min. Teori Zavascki,
19.11.2014. (Pet-3240)
Ø O
Plenário iniciou julgamento de agravo regimental em petição no qual se discute
a competência para processar e julgar ação civil por improbidade administrativa
supostamente praticada por parlamentar, à época Ministro de Estado.
Ø Na
espécie, tribunal regional federal declinara de sua competência e remetera os
autos o STF que, por sua vez, determinara a suspensão do processo até o final
julgamento dos embargos de declaração na ADI 2.797/DF (DJe de 28.2.2013). Após
o julgamento da referida ação — em que assentada a inconstitucionalidade da Lei
10.628/2002, que acresceu os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do CPP —, o Ministro Cezar
Peluso, então relator da petição, reconhecera a incompetência do STF e
determinara o retorno dos autos ao juízo de origem. Ocorre que, anteriormente,
em 13.6.2007, o STF concluíra, na Rcl 2.138/DF (DJe de 18.4.2008) pela
“incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação
civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui
prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de
responsabilidade, conforme o art. 102, I, c, da Constituição”.
Ø No
presente regimental, o agravante sustenta que: a) a Rcl 2.138/DF fixa a
competência do STF para processar e julgar ações de improbidade contra réus com
prerrogativa de foro criminal; b) o julgamento da ADI 2.797/DF não interfere na
decisão deste processo; e c) os agentes políticos respondem apenas por crimes
de responsabilidade, mas não pelos atos de improbidade administrativa previstos
na Lei 8.429/1992.
Ø O Ministro Teori Zavascki (relator) deu
provimento ao agravo e consignou que seriam duas as questões trazidas a debate
no recurso, ambas a respeito da posição jurídica dos agentes políticos em face
da Lei 8.429/1992, que trata das sanções por ato de improbidade.
·
A primeira seria verificar se haveria submissão
dos agentes políticos ao duplo regime sancionatório (o fixado na Lei 8.429/1992
e na Lei 1.079/1950, que dispõe sobre crimes de responsabilidade).
Ä No
que concerne à questão do duplo regime sancionatório, o relator enfatizou que,
sob o ângulo constitucional, seria difícil justificar a tese de que todos os
agentes políticos sujeitos a crime de responsabilidade, nos termos da Lei
1.079⁄1950 ou do Decreto-lei 201⁄1967, estariam imunes, mesmo que em parte, às
sanções do art. 37, § 4º da CF (“§ 4º - Os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”). Segundo essa norma
constitucional, qualquer ato de improbidade estaria sujeito às sanções nela
estabelecidas, inclusive à da perda do cargo e à da suspensão de direitos
políticos.
Ä O
relator assinalou que ao legislador ordinário, por sua vez, a quem o
dispositivo delegara competência apenas para normatizar a forma e a gradação
dessas sanções, não seria dado limitar o alcance do referido mandamento
constitucional. Somente a Constituição poderia fazê-lo e, salvo em relação a
atos de improbidade do Presidente da República, não se poderia identificar no
texto constitucional qualquer limitação dessa natureza.
Ä Ressalvou
que as normas constitucionais que dispõem sobre crimes de responsabilidade
poderiam ser divididas em dois grandes grupos: a) as que tratam exclusivamente
de competência para o processo e julgamento desses crimes — normas tipicamente
instrumentais —, a estabelecerem foro por prerrogativa de função (CF, artigos
52, I e II; 96, III; 102, I, c; e 105, I); e b) as que dispõem sobre
aspectos objetivos do crime, a indicar condutas típicas (CF, artigos 29-A, §§
2º e 3º; 50, “caput” e § 2º; e 85, V).
Ä Ponderou
que não se poderia identificar nas normas do primeiro grupo qualquer elemento a
indicar sua incompatibilidade material com o regime do art. 37, § 4º, da CF. O
que elas incitariam seria um problema de ordem processual, concernente à
necessidade de compatibilizar as normas sobre prerrogativa de foro com o
processo destinado à aplicação das sanções por improbidade administrativa, em
especial as que implicassem a perda do cargo e a suspensão dos direitos
políticos. Quanto às normas do segundo grupo, a única alusão à improbidade
administrativa como crime de responsabilidade seria a do inciso V do art. 85 da
CF, ao considerar crime de responsabilidade os atos praticados pelo Presidente
da República contra a “probidade na administração”, o que daria ensejo a
processo e julgamento perante o Senado Federal (CF, art. 86). Somente nessa
restrita hipótese é que se identificaria, no âmbito material, concorrência de
regimes (o geral do art. 37, § 4º, e o especial dos artigos 85, V, e 86, todos
da CF).
Ä Não
se poderia negar ao legislador ordinário a faculdade de dispor sobre aspectos
materiais dos crimes de responsabilidade, a tipificar outras condutas além
daquelas indicadas no texto constitucional. Essa atribuição existiria
especialmente em relação a condutas de autoridades que a própria Constituição, sem tipificar, indicaria
como possíveis agentes daqueles crimes.
Ä
Todavia, no
desempenho de seu mister, ao legislador ordinário cumpriria observar os limites
próprios da atividade normativa infraconstitucional, que não o autorizaria a
afastar ou a restringir injustificadamente o alcance de qualquer preceito
constitucional. Por isso mesmo, não lhe seria lícito, a pretexto de tipificar
crimes de responsabilidade, excluir os respectivos agentes das sanções
decorrentes do comando do art. 37, § 4º, da CF.
Ä
RESUMO: O Ministro Teori Zavascki frisou que,
excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da
República, submetidos a regime especial, não haveria norma constitucional que
imunizasse os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de
qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º, da CF.
Igualmente incompatível com a Constituição seria eventual preceito normativo
infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza. Haveria situação de
cunho estritamente processual relacionada com a competência para o processo e
julgamento das ações de improbidade, já que elas poderiam conduzir agentes
políticos da mais alta expressão a sanções de perda do cargo e a suspensão de
direitos políticos. Essa seria a real e delicada questão institucional no que
concerne à polêmica sobre atos de improbidade praticados por agentes políticos.
·
A segunda seria consolidar entendimento quanto à
existência, ou não, de prerrogativa de foro nas ações que visassem a aplicar as
mencionadas sanções, em face da ausência de posição do STF sobre o tema.
Ä Concluiu
que a solução constitucional para o problema seria o reconhecimento, também
para as ações de improbidade, do foro por prerrogativa de função assegurado nas
ações penais. Explicou que, embora as sanções aplicáveis aos atos de
improbidade não tivessem natureza penal, haveria laços de identidade entre as
duas espécies, seja quanto às funções (punitiva, pedagógica e intimidatória),
seja quanto ao conteúdo.
Ä Com
efeito, não haveria diferença entre a perda da função pública ou a suspensão
dos direitos políticos ou a imposição de multa pecuniária, quando decorrente de
ilícito penal e de ilícito administrativo. Nos dois casos, as consequências
práticas em relação ao condenado seriam idênticas.
Ä A
rigor, a única distinção se situaria em plano puramente jurídico, relacionado
com os efeitos da condenação em face de futuras infrações, porquanto a
condenação criminal produziria as consequências próprias do antecedente e da
perda da primariedade, que poderiam redundar em futuro agravamento de penas ou,
indiretamente, em aplicação de pena privativa de liberdade.
Ä Ao
se buscar consolidar entendimento quanto às regras sobre competências
jurisdicionais, os dispositivos da Constituição comportam interpretação
sistemática que permite preencher vazios e abarcar
certas competências implícitas, mas inafastáveis por imperativo do próprio
regime constitucional. Em suma, por entender que essa linha de
compreensão também deveria ser adotada em relação ao foro por prerrogativa de
função, o relator reconheceu a competência do STF para processar e julgar a
ação de improbidade contra o requerido, deputado federal. Determinou, ainda, o
desmembramento do processo em relação aos demais demandados para que, no
tocante a eles, tivesse prosseguimento no foro próprio.
·
Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro
Roberto Barroso.
ADI: servidores públicos e vinculação
remuneratória - ADI 3777/BA, rel. Min. Luiz Fux, 19.11.2014. (ADI-3777)
Ø O
Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a
inconstitucionalidade do art. 47, “caput”, da Constituição do Estado da
Bahia (“Lei disporá sobre a isonomia entre as carreiras de policiais civis e
militares, fixando os vencimentos de forma escalonada entre os níveis e
classes, para os civis, e correspondentes postos e graduações, para os
militares”).
Ø A
Corte, ao reiterar o que decidido na ADI 3.295/AM (DJe de 5.8.2011) e na ADI
3.930/RO (DJe de 23.10.2009), afirmou que o
estabelecimento de política remuneratória de servidores do Poder Executivo, à
luz da separação de Poderes, seria de competência exclusiva do chefe daquele
Poder (CF, art. 61, § 1º, II, a). Além disso, a norma constitucional
estadual em exame, ao estabelecer, a toda evidência, hipótese de vinculação
remuneratória entre policiais militares e policiais civis do Estado da Bahia,
ofenderia o disposto no art. 37, XIII, da CF (“XIII - é vedada a vinculação ou
equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de
pessoal do serviço público”).
Ø Ademais,
o argumento de que se trataria de uma disposição meramente programática ou
autorizativa para o legislador infraconstitucional, se revelaria frágil, uma
vez que não se poderia conceder ao legislador autorização para editar atos
normativos em desconformidade com o que estatui a Constituição Federal. O
Ministro Roberto Barroso acompanhou o entendimento do Colegiado apenas quanto à
inconstitucionalidade material da norma, no tocante à violação ao art. 37,
XIII, da CF.
ADI: órgão de segurança pública e vício
de iniciativa - ADI 2616/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 19.11.2014. (ADI-2616)
Ø O
Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face da
EC 10/2001, que inseriu a Polícia Científica no rol dos órgãos de segurança
pública previsto na Constituição do Estado do Paraná.
Ø A
Corte afirmou que não se observara a reserva
de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para disciplinar o
funcionamento de órgão administrativo de perícia.
ADI: órgão de segurança pública e
repristinação – ADI 2575/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 19.11.2014. (ADI-2575)
Ø
O Plenário
iniciou julgamento de ação direta ajuizada em face da EC 10/2001, que inseriu a
Polícia Científica no rol dos órgãos de segurança pública previsto na
Constituição do Estado do Paraná. Além disso, também se impugna o art. 50 da
Constituição estadual (“A Polícia Científica, com estrutura própria, incumbida
das perícias de criminalísticas e médico-legais, e de outras atividades
técnicas congêneres, será dirigida por peritos de carreira da classe mais
elevada, na forma da lei”) em virtude da repristinação de sua redação
primitiva, diante da declaração de inconstitucionalidade da EC 10/2001.
Ø
O Ministro
Dias Toffoli (relator) julgou parcialmente procedente o pedido formulado para
declarar a inconstitucionalidade da EC 10/2001 — já mencionada no caso acima —,
bem como para conferir interpretação conforme à expressão “polícia científica”,
constante da redação primitiva do art. 50 da Constituição do Estado do Paraná.
O relator rememorou o entendimento firmado na ADI 2.827/RS (DJe de 6.4.2011) no
sentido de que o rol de órgãos encarregados do exercício da segurança pública,
previsto no art. 144, I a V, da CF, seria taxativo e de que esse modelo federal
deveria ser observado pelos Estados-membros e pelo Distrito Federal. Frisou que
nada impediria que a polícia científica, órgão responsável pelas perícias,
continuasse a existir e a desempenhar suas funções, sem estar, necessariamente,
vinculada à polícia civil, razão pela qual afastou a alegada
inconstitucionalidade da redação originária do art. 50 da Constituição
paranaense. Contudo, reputou necessário, com vistas a evitar confusão pelo uso
do termo “polícia científica”, conferir-lhe interpretação conforme, para
afastar qualquer interpretação que lhe outorgasse o caráter de órgão de
segurança pública.
Ø
Em divergência, o Ministro Roberto Barroso
julgou integralmente procedente o pedido formulado. Inicialmente, acompanhou o relator
na parte em que declarada a inconstitucionalidade da citada emenda. Entretanto,
dissentiu, em parte, para não
repristinar o art. 50 da Constituição paranaense. Considerou
que esse artigo cairia por arrastamento, pelos mesmos fundamentos pelos quais
julgada inconstitucional a aludida emenda, qual seja, a de instituir órgão —
polícia técnica — fora da estrutura da polícia civil, o que seria materialmente
incompatível com a Constituição. Sublinhou não ser possível criar uma
polícia técnica fora da estrutura dos órgãos de segurança pública. Enfatizou
que a polícia técnica deveria ter autonomia e não poderia estar subordinada ao
delegado de polícia, mas sim à estrutura geral da polícia civil, a qual
integraria, por mandamento constitucional. Ressaltou que sem a polícia técnica,
a polícia civil não poderia cumprir as duas missões que a Constituição lhe
atribuíra: polícia judiciária e a condução da investigação criminal.
Ø
Em seguida, pediu vista o Ministro Teori
Zavascki.
ADI e participação de empregados em
órgãos de gestão - ADI 1167/DF,
rel. Min. Dias Toffoli, 19.11.2014. (ADI-1167)
Ø
É constitucional o art. 24 da Lei Orgânica do
Distrito Federal (“A direção superior das empresas públicas, autarquias,
fundações e sociedades de economia mista terá representantes dos servidores,
escolhidos do quadro funcional, para exercer funções definidas, na forma da
lei”). Com base nesse entendimento, o Plenário julgou improcedente pedido
formulado em ação direta de inconstitucionalidade.
Ø
O
Tribunal esclareceu que a norma em questão, por ser oriunda do poder
constituinte originário decorrente, não sofreria vício de reserva de iniciativa
legislativa do chefe do Poder Executivo. Frisou, ainda, não haver violação da competência privativa da União
para legislar sobre direito comercial.
Ø
Além
disso, a norma observaria a diretriz constitucional voltada à realização da
ideia de gestão democrática.
ADI: reconhecimento de responsabilidade
civil do Estado e iniciativa legislativa – ADI 2255/ES, rel. Min. Gilmar
Mendes, 19.11.2014. (ADI-2255)
Ø O
Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face
da Lei 5.645/1998 do Estado do Espírito Santo.
Ø A
referida norma, de iniciativa parlamentar, autoriza o Poder Executivo estadual
a reconhecer sua responsabilidade civil pelas violações aos direitos à vida e à
integridade física e psicológica decorrentes das atuações de seus agentes
contra cidadãos sob a guarda legal do Estado. A Corte destacou não haver, na
espécie, a alegada violação ao art. 61, § 1º, II, b, da CF, que fixa a
competência privativa do Presidente da República para dispor sobre a
organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária,
serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios.
Ø Ademais, a disciplina estabelecida na
norma impugnada, a dispor sobre responsabilidade civil — matéria de reserva
legal —, seria, inclusive, salutar. Permitiria que a Administração
reconhecesse, “motu proprio”, a existência de violação aos direitos nela
mencionados.
ADI: matéria orçamentária e competência
legislativa -ADI 2124/RO, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.11.2014. (ADI-2124)
Ø O
Plenário julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta
para declarar a inconstitucionalidade do inciso I do art. 189 da
Constituição do Estado de Rondônia, inserido pela EC estadual 17/1999, e
confirmou, quanto a esse dispositivo, medida cautelar anteriormente deferida
(noticiada no Informativo 195). A Corte afirmou que a norma impugnada, ao
considerar como integrantes da receita aplicada na manutenção e desenvolvimento
do ensino as despesas empenhadas, liquidadas e pagas no exercício financeiro,
afrontaria o quanto disposto no art. 24, I, II, e § 1º, da CF (“Art. 24.
Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente
sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e
urbanístico; II - orçamento; ... § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a
competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais”).
Ø O
Ministro Roberto Barroso, ao acompanhar esse entendimento, acrescentou que o
art. 212 da CF (“A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo,
da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”) estabeleceria a
necessidade de efetiva liquidação das despesas nele versadas. Não bastaria,
portanto, o simples empenho da despesa para que se considerasse cumprido o
mandamento constitucional, prática adotada pelo Estado de Rondônia.
Repercussão Geral
Dano
moral e manifestação de pensamento por agente político – RE 685493/SP rel.
Min. Marco Aurélio, 20.11.2014. (RE-685493)
Ø
O
Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a
existência de direito a indenização por dano moral em razão da manifestação de
pensamento por agente político, considerados a liberdade de expressão e o dever
do detentor de cargo público de informar. Na espécie, o recorrente — Ministro de Estado à época dos fatos —
fora condenado ao pagamento de indenização por danos morais em virtude de ter
imputado ao ora recorrido responsabilidade pela divulgação do teor de gravações
telefônicas obtidas a partir da prática de ilícito penal.
Ø
O Ministro
Marco Aurélio (relator) deu provimento ao recurso para reformar o acórdão
recorrido e julgar improcedente o pedido formalizado na inicial. A princípio,
destacou que, diferentemente do regime aplicável aos agentes públicos, o regime
de direito comum, aplicável aos cidadãos, seria de liberdade quase absoluta de
expressão, assegurada pelos artigos 5º, IV e XIV, e 220, “caput”, e § 2º, ambos
da CF. No sistema constitucional de liberdades públicas, a liberdade de
expressão possuiria espaço singular e teria como único paralelo, em escala de
importância, o princípio da dignidade da pessoa humana, ao qual relacionado. O
referido direito seria alicerce, a um só tempo, do sistema de direitos
fundamentais e do princípio democrático, portanto, genuíno pilar do Estado
Democrático de Direito.
Ø
Segundo a jurisprudência do STF, as restrições à
liberdade de expressão decorreriam da colisão com outros direitos fundamentais
previstos no texto constitucional, dos quais seriam exemplos a proteção da
intimidade, da vida privada, da honra e da imagem de terceiros (CF, art. 5º,
X). Porém, ainda que fosse possível a relativização de um princípio em certos
contextos, seria forçoso reconhecer a prevalência da liberdade de expressão
quando em confronto com outros valores constitucionais, raciocínio que encontraria
diversos e cumulativos fundamentos. Assim, a referida liberdade seria uma
garantia preferencial em razão da estreita relação com outros princípios e
valores constitucionais fundantes, como a democracia, a dignidade da pessoa
humana e a igualdade.
Ø
Nesse sentido, o livre desenvolvimento da
personalidade, por exemplo, um dos alicerces de vida digna, demandaria a existência
de um mercado livre de ideias, onde os indivíduos formariam as próprias
cosmovisões. Outrossim, sob o prisma do princípio democrático, a liberdade de
expressão impediria que o exercício do poder político pudesse afastar certos
temas da arena pública de debates, na medida em que o funcionamento e a
preservação do regime democrático pressuporia alto grau de proteção aos juízos,
opiniões e críticas, sem os quais não se poderia falar em verdadeira
democracia.
Ø
O
relator afirmou que, por outro lado, os agentes públicos estariam sujeitos a
regime de menor liberdade em relação aos indivíduos comuns, tendo em conta a
teoria da sujeição especial. Portanto, a relação entre eles e a
Administração, funcionalizada quanto ao interesse público materializado no
cargo, exigiria que alguns direitos fundamentais tivessem a extensão reduzida.
Desse modo, no rol de direitos fundamentais de exercício limitado alusivos aos
servidores públicos estaria a liberdade de expressão, por exemplo, no que diz
com o dever de guardar sigilo acerca de informações confidenciais (CF, art. 37,
§ 7º).
Ø
No caso em comento, entretanto, o que estaria em
debate não seria a liberdade de expressão nas relações entre o servidor e a
própria Administração Pública, à qual estaria ligado de forma vertical. Buscar-se-ia definir a extensão do
direito à liberdade de expressão no trato com os administrados de modo geral e
presente a coisa pública. Dentre os servidores públicos, se destacariam os
agentes políticos — integrantes da cúpula do Estado e formadores de políticas
públicas —, competindo-lhes formar a vontade política do Estado.
Ø
Aqueles agentes estatais deveriam, portanto,
gozar de proteção especial, o que seria estabelecido pela própria Constituição,
por exemplo, no tocante aos integrantes do Poder Legislativo (CF, artigos 25;
29, VIII; e 53, “caput”).
Ø
De igual
modo, os agentes políticos inseridos no Poder Executivo, embora não possuíssem
imunidade absoluta quando no exercício da função, deveriam também ser titulares
de algum grau de proteção conferida pela ordem jurídica constitucional.
·
Isso se daria por dois motivos. Primeiramente, porque
existiria evidente interesse público em que os agentes políticos mantivessem os
administrados plenamente informados a respeito da condução dos negócios
públicos, exigência clara dos princípios democrático e republicano. Em outras
palavras, haveria o dever de expressão do agente público em relação aos assuntos
públicos, a alcançar não apenas os fatos a respeito do funcionamento das
instituições, mas até mesmo os prognósticos que eventualmente efetuassem.
·
Consequentemente, reconhecer a imunidade
relativa no tocante aos agentes do Poder Executivo, como ocorreria com os
membros do Poder Legislativo, no que tange às opiniões, palavras e juízos que
manifestassem publicamente, seria importante no sentido de fomentar o livre
intercâmbio de informações entre eles e a sociedade civil.
·
Em segundo lugar, por conta da necessidade de
reconhecer algum grau de simetria entre a compreensão que sofrem no direito à
privacidade e o regime da liberdade de expressão. No ponto, o STF admitiria a
ideia de que a proteção conferida à privacidade dos servidores públicos situar-se-ia
em nível inferior à dos cidadãos comuns, conforme decidido na SS 3.902
AgR-segundo/SP (DJe de 3.10.2011). O argumento seria singelo: aqueles que
ocupassem cargos públicos teriam a esfera de privacidade reduzida. Isso porque
o regime democrático imporia que estivessem mais abertos à crítica popular. Em
contrapartida, deveriam ter também a liberdade de discutir, comentar e
manifestar opiniões sobre os mais diversos assuntos com maior elasticidade que
os agentes privados, desde que, naturalmente, assim o fizessem no exercício e
com relação ao cargo público ocupado.
Ø
Seria plausível, portanto, no contexto da
Constituição, reconhecer aos servidores públicos campo de imunidade relativa,
vinculada ao direito à liberdade de expressão, quando se pronunciassem sobre
fatos relacionados ao exercício da função pública. Essa liberdade seria tanto
maior quanto mais flexíveis fossem as atribuições políticas do cargo que
exercessem, excluídos os casos de dolo manifesto, ou seja, o deliberado intento
de prejudicar outrem.
Ø
O relator asseverou que, consideradas as
premissas expostas, restaria analisar se teria havido, ou não, extrapolação no
caso em comento, afinal, a integração entre norma e fatos mostrar-se-ia
particularmente relevante quando se tratasse do conflito entre proteção à personalidade e liberdade de expressão.
Ø
No caso dos autos, o recorrente teria declarado,
em entrevistas veiculadas em matérias jornalísticas, a suspeita de que o
recorrido teria promovido a distribuição de fitas cassete obtidas por
intermédio de interceptação telefônica ilícita, suposição que seria confirmada
ou desfeita no curso de inquérito policial sob a condução da polícia federal.
Da análise dos fatos, surgiriam três certezas: a) as afirmações feitas pelo
recorrente teriam sido juízos veiculados no calor do momento, sem maior
reflexão ou prova das declarações; b) em nenhuma entrevista teria sido
explicitada acusação peremptória de que o recorrido teria praticado o crime de
interceptação ilegal de linhas telefônicas; ao contrário, as manifestações
seriam sempre obtemperadas no sentido da ausência de certeza quanto ao que
apontado; e c) as afirmações feitas pelo recorrente, então Ministro das
Comunicações, teriam ocorrido no bojo das controvérsias a envolver a
privatização da telefonia no País, fenômeno capitaneado pelo Ministério que
comandava.
Ø
Assim, o nexo de causalidade entre a função
pública exercida pelo recorrente e as declarações divulgadas a levantar
suspeitas sobre o recorrido, o qual detinha negócios com a Administração
Pública Federal e, mais especificamente, em seara alcançada pelo Ministério das
Comunicações, deixaria nítida a natureza pública e política da disputa.
Por fim, e ante a motivação consignada, tudo o que se acrescentasse ao campo da
calúnia, da injúria, da difamação e das ações reparatórias por danos morais
seria subtraído ao espaço da liberdade. Obviamente, imputações sabidamente
falsas não poderiam ser consideradas legítimas em nenhum ordenamento jurídico
justo. Porém, o desenvolvimento da argumentação revelaria não ser esse o quadro
retratado na espécie.
Ø
Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro
Luiz Fux.