"Os obstáculos para a harmonia da convivência humana não são apenas de ordem jurídica, ou seja, devidos à falta de leis que regulem esse convívio; dependem de atitudes mais profundas, morais, espirituais, do valor que damos à pessoa humana, de como consideramos o outro." (Chiara Lubich)

terça-feira, 1 de abril de 2014

É CONSTITUCIONAL A CLÁUSULA DE BARREIRA EM CONCURSO PÚBLICO?

Analise a seguinte situação: muitos candidatos de um concurso público que foram classificados por terem obtido as notas mínimas nas fases anteriores foram excluídos da fase posterior do exame psicotécnico, pela aplicação da “cláusula de barreira”, baseada no critério da melhor classificação. a cláusula de barreira é espécie de regra editalícia restritiva que, embora não elimine o candidato pelo desempenho inferior ao exigido (v.g.: mínimo de acertos, tempo mínimo de prova), obstaculiza sua participação na etapa seguinte do concurso em razão de não se encontrar entre os melhores classificados, de acordo com previsão numérica preestabelecida no edital. É constitucional a cláusula de barreira em concurso público?



TRANSCRIÇÃO DO INFORMATIVO 736 



RE 635.739/AL*

RELATOR: Ministro Gilmar Mendes

EMENTA: Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. 2. Concurso Público. Edital. Cláusulas de Barreira. Alegação de violação aos arts. 5º, caput, e 37, inciso I, da Constituição Federal. 3. Regras restritivas em editais de concurso público, quando fundadas em critérios objetivos relacionados ao desempenho meritório do candidato, não ferem o princípio da isonomia. 4. As cláusulas de barreira em concurso público, para seleção dos candidatos mais mais bem classificados, têm amparo constitucional. 5. Recurso extraordinário  provido.


RELATÓRIO: Trata-se de recurso extraordinário, interposto com fundamento na alínea a do inciso III do art. 102 da Constituição, contra acórdão do Tribunal de Justiça de Alagoas que, em sede de apelação em mandado de segurança, reconheceu a inconstitucionalidade da denominada “cláusula de barreira” prevista em edital de concurso público, ao fundamento de que tal regra, ao delimitar o número de participantes de uma fase do certame, confere tratamento não isonômico aos candidatos.


No caso dos autos, o Juízo de primeiro grau concedeu medida liminar inaudita altera pars (fls. 59-60) reconhecendo o direito de o impetrante participar de etapa do concurso para o cargo de Agente da Polícia Civil do Estado de Alagoas, da qual fora excluído por regra editalícia (a denominada “cláusula de barreira”) - item 10.2.2 do edital (fl. 38) - que determinava a convocação para o exame psicotécnico apenas dos “primeiros melhores classificados, em número igual ou até 2 (dois) por total de vaga oferecida por cargo”.

Posteriormente, a sentença manteve a medida cautelar concedida e invalidou o ato administrativo que havia eliminado o impetrante do concurso.

Irresignado, o Estado de Alagoas apelou à segunda instância, que negou provimento ao recurso e determinou que fosse promovida “a nomeação e posse do impetrante para o cargo no qual foi aprovado, observada a ordem de classificação por ele obtida” (fl. 181).

Contra referido acórdão foi interposto o presente recurso extraordinário, no qual se alega que a Corte estadual violou o art. 5º, caput, e o art. 37, inciso I, da Constituição Federal, por conferir incorreta exegese ao princípio da isonomia neles contemplado.

O Estado de Alagoas, ora recorrente, sustenta, em síntese, que o Tribunal a quo partiu da falsa premissa de que todos os candidatos aprovados em uma determinada etapa de concurso público ostentam situação de igualdade, equiparando, equivocadamente, quem obteve nota mínima de aprovação com quem alcançou a nota máxima.

Afirma, ainda, que os diversos critérios de restrição de convocação de candidatos de uma fase para outra são absolutamente necessários, em virtude das dificuldades que a Administração encontra em selecionar os melhores candidatos em um universo cada vez maior de inscritos nos certames.

Assim, o Estado de Alagoas pleiteia a reforma do acórdão impugnado, para que seja denegada a ordem ao recorrido.

Em contrarrazões, o impetrante, ora recorrido, alega que o edital apresentava inúmeras falhas e ressalta que ninguém pode ser eliminado de certame por exame psicotécnico, salvo se for doente mental, o que não é o caso dos autos (fls. 324-326).

Às fls. 408/412, a Presidência do Tribunal alagoano não admitiu o presente recurso extraordinário, ao argumento de que a análise da controvérsia demandaria necessariamente o exame de normas infraconstitucionais, configurando, assim, violação meramente reflexa à Constituição Federal.

Contra a decisão de inadmissibilidade do apelo extremo, o Estado de Alagoas interpôs agravo de instrumento, ao qual dei provimento (DJe 14.10.2010 - fls. 422-423), determinando a subida do presente recurso extraordinário.

A repercussão geral da questão constitucional suscitada foi reconhecida por esta Suprema Corte em decisão sintetizada nos seguintes termos (fl. 433):
Recurso extraordinário. 2. Administrativo. 3. Concurso Público. Edital. Cláusula de barreira. Estabelecimento de condições de afunilamento para que apenas os candidatos melhores classificados continuem no certame. 4. Configurada a relevância social e jurídica da questão. 5. Repercussão geral reconhecida”.

É o relatório.

VOTO: A questão ora controvertida trata da legitimidade constitucional de regra que limita o número de candidatos participantes de cada fase de certame público, a denominada “cláusula de barreira” dos editais de concurso.

No caso, o edital do concurso público para o cargo de Agente da Polícia Civil do Estado de Alagoas limita o número de candidatos para a etapa do exame psicotécnico até a posição de classificação correspondente ao dobro do número de vagas.

O Tribunal de Justiça de Alagoas entendeu ser inconstitucional essa previsão editalícia de cláusula de barreira, ao fundamento de que confere tratamento não igualitário aos candidatos. É o que se extrai dos seguintes trechos do acórdão recorrido, a seguir transcritos:

“O ato administrativo objurgado consiste na eliminação do Impetrante/Apelado do certame em apreço, sob o argumento de que não obtivera classificação suficiente, o que, nos termos do edital, corresponderia a até o dobro do número de vagas oferecidas.

Resta comprovado que o Apelado, apesar de classificado na segunda etapa da primeira fase do certame em comento – prova de aptidão física – não foi convocado para submeter-se à etapa seguinte dessa primeira fase – o exame psicotécnico, que tantas discussões doutrinárias e jurisprudenciais tem causado, sendo logo excluído do concurso, por conta de disposições editalícias flagrantemente inconstitucionais; afinal, o Impetrante/Apelado teve subtraído seu direito de concorrer conforme as regras do próprio edital, em pé de igualdade com os demais candidatos, sendo alijado antes de se submeter à segunda fase do certame, mesmo tendo sido classificado na segunda etapa da primeira fase.
(...)

Este Tribunal de Justiça de Alagoas, durante quase todos os meses do ano que ora se finda, teve a oportunidade de decidir diversos mandados de segurança sobre questões de concursos públicos, e a posição majoritária desta Corte é no sentido de que não se pode permitir, em qualquer certame, a imposição de quaisquer exigências editalícias que desigualem os iguais, ferindo de morte o texto constitucional”. (fls. 179-180)

O Estado de Alagoas, ora recorrente, insurge-se contra o acórdão do Tribunal de Justiça de Alagoas, pugnando pela constitucionalidade e legitimidade da regra editalícia.

Suscitou-se, em contrarrazões, a impossibilidade de eliminação de candidato em exame psicotécnico. Contudo, no presente recurso, não se discute a viabilidade de exame psicológico excluir candidato do certame, mas sim questão prévia, ou seja, o critério previsto no edital para convocar à realização de exame psicotécnico. Frise-se que a questão objeto do presente recurso não diz respeito à legalidade ou à legitimidade específicas de exame psicotécnico, tema que já tanto ocupou esta Corte em outras ocasiões.

É fato que, em vista do crescente número de candidatos ao ingresso nas carreiras públicas, é cada vez mais usual que os editais dos concursos públicos estipulem critérios que restrinjam a convocação de candidatos de uma fase para outra dos certames. As regras editalícias que impedem o candidato de prosseguir no certame, denominadas regras restritivas, subdividem-se em eliminatórias e cláusulas de barreira.

As regras eliminatórias preveem, por exemplo, a exclusão dos candidatos que não acertarem, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) das questões objetivas de cada matéria. Outro bom exemplo de regra eliminatória é o exame de aptidão física. Esse tipo de regra editalícia, como se vê, prevê como resultado de sua aplicação a eliminação do candidato do certame público por insuficiência em algum aspecto de seu desempenho.

Além disso, é comum que se conjugue, ainda, outra regra que restringe o número de candidatos para a fase seguinte do concurso, determinando-se que, no universo de candidatos que não foram excluídos pela regra eliminatória, participará da etapa subsequente apenas número predeterminado de candidatos, contemplando-se somente os mais bem classificados. Essas são as denominadas “cláusulas de barreira”, que não produzem a eliminação por insuficiência de desempenho nas provas do certame, mas apenas estipulam um corte deliberado no número de candidatos que poderão participar de fase posterior, comumente as fases dos exames psicotécnicos ou dos cursos de formação.

Assim, pode-se definir a cláusula de barreira como espécie de regra editalícia restritiva que, embora não elimine o candidato pelo desempenho inferior ao exigido (v.g.: mínimo de acertos, tempo mínimo de prova), obstaculiza sua participação na etapa seguinte do concurso em razão de não se encontrar entre os melhores classificados, de acordo com previsão numérica preestabelecida no edital.

Como visto, o edital do concurso em referência previu uma regra restritiva para convocar apenas um número determinado de candidatos à realização do exame psicotécnico. Muitos candidatos que foram classificados por terem obtido as notas mínimas nas fases anteriores foram excluídos da fase posterior do exame psicotécnico, pela aplicação dessa “cláusula de barreira”, baseada no critério da melhor classificação.

O acórdão recorrido assentou que esse corte premeditado de classificados viola o princípio da isonomia, afirmando que todos os candidatos que obtiveram as notas mínimas nas fases anteriores e, dessa forma, foram classificados, não podem ser tratados de forma diferenciada, uns podendo participar do exame psicotécnico, outros não .

Como se sabe, nem todas as distinções implicam quebra de isonomia. Desde Aristóteles, compreendemos muito bem que o postulado da igualdade subentende o dever de tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais. Segundo Alexy, essa fórmula clássica implica um mandado de tratamento desigual, isto é, o princípio da igualdade deve ser interpretado no sentido de uma norma que, prima facie, exige um tratamento igual e só permite um tratamento desigual se esse tratamento desigual puder ser justificado com razões suficientes. Assim, o enunciado sobre o mandado de tratamento desigual adquire a seguinte estrutura: Se há uma razão suficiente para ordenar um tratamento desigual, então está ordenado um tratamento desigual (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; 2001) .

A exigência de razões suficientes para o tratamento desigual impõe uma carga de argumentação ao legislador ou àquele que emite a norma que implica tratamento desigual. Há diversas formas de fundamentação dos juízos de valor sobre igualdade e desigualdade que podem justificar um tratamento desigual. De toda forma, há que se levar em conta que a igualdade é, em termos gerais, um tipo de relação que se pode estabelecer entre dois ou mais seres ou objetos, tendo em vista uma ou várias características ou circunstâncias.

Por isso, o conceito de isonomia é relacional por definição. O postulado da igualdade pressupõe pelo menos duas situações, que se encontram numa relação de comparação. (Maurer, Zur Verfassungswidrigerklärung, W.Weber, p. 345 (354).

Essa relatividade do postulado da isonomia leva, segundo Maurer, a uma inconstitucionalidade relativa (relative Verfassungswidrigkeit). Inconstitucional não se afigura a norma A ou B, mas a disciplina diferenciada conferida pela norma (die Unterschiedlichkeit der Regelung) (Maurer, Zur Verfassungswidrigerklärung, W.Weber, p. 345 (354).

A diferenciação estabelecida pela norma deve ser fundada em razões suficientes para o tratamento desigual. Assim, tem-se como relevante o que a doutrina tem chamado de razoabilidade qualitativa, que exige que a antecedentes iguais sejam imputadas, pela norma, consequências iguais, sem que haja exceções arbitrárias. Isso significa que a lei, para ser razoável, deve tratar igualmente os iguais em circunstâncias iguais. Nas palavras do constitucionalista argentino Ricardo Haro, “é inegável que o ordenamento jurídico deve estabelecer lógicas e razoáveis distinções e classificações em categorias que a discricionariedade e a sabedoria o inspirem, e que se baseiem em objetivas razões de diferenciação”. (HARO, Ricardo. La razonabilidad y las funciones de control. In: El control de constitucionalidad. Buenos Aires: Ed. Zavalia; 2003, p. 209.)

No presente caso, não se pode perder de vista a especial importância do princípio da isonomia, em razão do contexto das regras de um concurso público.

A propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está repleta de casos em que o tratamento desigual entre candidatos de concursos públicos estava plenamente justificado e, portanto, em vez de violar, concretizava o postulado fundamental da igualdade.

Nessa perspectiva de análise, deve-se levar em conta a intrínseca relação entre isonomia e impessoalidade que rege o tema dos concursos públicos. A impessoalidade, que é atributo indissociável de qualquer certame público, guarda estreita relação com o princípio da igualdade. O tratamento impessoal e igualitário é condição imprescindível à realização de um concurso público, que pode ser definido como um conjunto de atos administrativos concatenados, com prazo preestabelecido para sua conclusão, destinado a selecionar, entre vários candidatos, os que melhor atendam ao interesse público, levando-se em consideração a qualificação técnica dos concorrentes.

Portanto, não se pode perder de vista que, ontologicamente, o concurso público, por critério de impessoalidade, visa a selecionar os mais preparados para o desempenho das funções exercidas pela carreira na qual se pretende ingressar. A impessoalidade implica, entre outros vários fatores, o critério meritório, que não distingue os atributos meramente subjetivos, mas aqueles relacionados ao preparo técnico do candidato para o exercício da função pública. Distinções fundadas em caracteres objetivos relacionados ao desempenho do candidato, como a diferenciação de notas conquistadas nas provas do certame, tornam-se essenciais para qualquer concurso, na medida em que tornam possível à Administração a aferição, qualificação e seleção dos cidadãos mais capazes para exercer as funções públicas. Não é incomum, portanto, que a maioria dos certames utilize de critérios como esse, baseados nas notas conquistadas pelo candidato ou na sua melhor classificação entre os demais candidatos.

Regras diferenciadoras de candidatos em concursos públicos, que igualmente utilizem fatores de discrímen relacionados ao desempenho meritório do candidato ou à sua classificação no certame, também podem estar justificadas em razão da necessidade da Administração Pública de realização eficiente e eficaz do concurso. Muitas vezes, como parece óbvio, a delimitação de um número específico de candidatos para participação em fases mais avançadas de um concurso torna-se fator imprescindível para sua concretização com base na exigência constitucional de eficiência. Parece sensato considerar, nessa linha, que essa delimitação numérica de candidatos deva guardar pertinência lógica com o número de vagas oferecido no edital, além de outros fatores, como a disponibilidade de recursos humanos e financeiros para a realização do certame.

São critérios que, portanto, não violam o princípio da isonomia, ao contrário, são exigidos por ele em matéria de concursos públicos. Por isso, e justamente por isso, as regras restritivas em editais de concurso público, como as regras eliminatórias e as denominadas cláusulas de barreira, quando estão fundadas (e assim justificadas) em critérios objetivos relacionados ao desempenho meritório do candidato, concretizam o princípio da igualdade (e também o princípio da impessoalidade) no âmbito do concurso público.

No caso concreto, a participação na fase do exame psicotécnico, uma das etapas do concurso, foi restrita aos primeiros mais bem classificados, em número igual ou até 2 (dois) por total de vaga oferecida por cargo. 

Verifica-se, portanto, que o discrímen utilizado para escolher os candidatos que participariam do exame psicotécnico foi o desempenho meritório de cada um nas etapas anteriores do concurso.

Destarte, é fácil observar que, no início do certame, todos se encontravam em pé de igualdade, situação que foi se diferenciando ao longo do procedimento administrativo, porque a cada etapa, com a atribuição de notas em cada prova, os melhores se destacaram pelo mérito.

Constata-se, assim, que o elemento tomado como desigualação foi o mérito, revelado nas etapas anteriores. Não há dúvida de que o fato erigido como critério de discrímen foi absolutamente adequado aos propósitos constitucionais.

A “cláusula de barreira”, que possibilita a realização de uma etapa de concurso somente aos melhores classificados – conforme notas obtidas em provas técnicas – elege critério diferenciador de candidatos em perfeita consonância com os interesses protegidos pela Constituição Federal. Em outros termos, o denominado “afunilamento” de candidatos no decorrer das fases do concurso viabiliza a investidura em cargo público com aprovação em concurso de provas ou de provas e títulos, obedecendo aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput e inciso II, da CF).

Na petição inicial do mandado de segurança, o impetrante pondera que “a não participação do candidato em alguma etapa ou fase do certame impossibilita sua nomeação e lhe nega o direito de obter ‘título’ que poderia ser aproveitado em outro concurso que venha a participar” (fl. 23). Entretanto, cabe frisar que, embora a aprovação em concurso público possa ser aceita como título em alguns editais, o objetivo precípuo do concurso não é o fornecimento de titulação aos seus participantes, mas o preenchimento de vagas existentes no serviço público pelos candidatos mais bem qualificados, atendendo, assim, às necessidades da Administração.

Nesse ponto, observo, ainda, que as “cláusulas de barreira”, desde que fundadas em critérios de discrímen adequados, como analisado, além de não infringirem o princípio da igualdade, são imprescindíveis para a viabilização do custo operacional de cada concurso.

Observamos que, comumente, o exame psicotécnico e o curso de formação constituem etapas dispendiosas e, por isso, a Administração costuma estabelecer “cláusula de barreira” antes dessas fases. Dentro dessa perspectiva financeira e de eficiência administrativa, seria desarrazoado permitir que um número imprevisível de candidatos, ainda que classificados, realizasse o referido exame, considerando a limitação de vagas previstas no edital. Desde que fundadas em critérios de discrimem adequados, as cláusulas de barreira podem justificar-se com base na consecução desses fins por parte da Administração Pública, isto é, com fundamento na realização eficiente e eficaz dos certames públicos.

Outra situação comum de previsão de “cláusula de barreira” em editais são as notas de corte da prova objetiva, que estabelecem que - entre os não eliminados – terá sua prova discursiva avaliada apenas número predeterminado de candidatos, considerando-se o custo operacional do concurso.

Nesse ponto, destacamos que o expediente não constitui apenas uma medida operacional fundada em questões financeiras, mas também na limitação de recursos humanos presente na maioria dos concursos. A restrição de participantes da etapa discursiva é medida muitas vezes necessária à adequada correção das provas pela comissão avaliadora do concurso, dentro dos prazos estabelecidos pelo edital para a publicação dos resultados de cada fase. Trata-se de um imperativo determinado pela limitação de tempo e de recursos humanos e administrativos.

O tema não é estranho na jurisprudência deste Tribunal. Confiram-se o RE-AgR 478136, DJ 7.12.2006, e o AI-AgR 608639, DJ 13.4.2007, ambos relatados pelo Min. Sepúlveda Pertence e julgados pela Primeira Turma, cujas ementas transcrevo, respectivamente:
“Concurso público. Limitação do número de candidatos aprovados em uma etapa para ter acesso à segunda. Possibilidade. O art. 37, II, da Constituição, ao dispor que a investidura em cargo público depende de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, não impede a Administração de estabelecer, como condição para a realização das etapas sucessivas de um concurso, que o candidato, além de alcançar determinada pontuação mínima na fase precedente, esteja, como ocorre na espécie, entre os 400 melhor classificados. Não cabe ao Poder Judiciário, que não é árbitro da conveniência e oportunidade administrativas, ampliar, sob o fundamento da isonomia, o número de convocações”.
“I. Concurso público: limitação do número de candidatos habilitados à segunda fase. 1. O art. 37, II, da Constituição, ao dispor que a investidura em cargo público depende de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, não impede a Administração de estabelecer, como condição para a realização das etapas sucessivas de um concurso, que o candidato, além de alcançar determinada pontuação mínima na fase precedente, esteja, como ocorreu na espécie, entre os 100 melhor classificados na primeira fase. 2. Ausência, ademais, de ofensa ao princípio da isonomia: não são idênticas as situações dos candidatos que se habilitaram nas primeiras colocações e os que se habilitaram nas últimas. II. Concurso público: recurso extraordinário: inviabilidade. Já decidiu o Supremo Tribunal que não compete ao Poder Judiciário, no controle jurisdicional da legalidade, examinar o conteúdo de questões de concurso público para aferir a avaliação ou correção dos gabaritos. Precedentes”.

Assim, como considerado pela própria jurisprudência desta Corte, o estabelecimento do número de candidatos que devem participar de determinada etapa de concurso público também passa pelo critério de conveniência e oportunidade da Administração, considerando o custo operacional do concurso público, e não infringe o princípio constitucional da isonomia quando o critério de convocação cinge-se ao desempenho do candidato em etapas precedentes.

Ademais, decisões judiciais que, no afã de atender ao princípio da isonomia, ampliam o rol de participantes em etapa de concurso, no mais das vezes acabam por desrespeitar referido princípio, porque dão ensejo a possível preterição de candidatos mais bem classificados. Nesses casos, sim, tem-se violação ao princípio da isonomia, mediante tratamento privilegiado desarrazoado a candidatos.

No caso concreto, foi concedida a ordem em mandado de segurança individual, permitindo-se, ao arrepio das regras do edital, que o impetrante realizasse o exame psicotécnico, sem se atentar para o fato de que outros candidatos, em melhor posição no certame, mas que também não obtiveram classificação dentro do dobro do número de vagas, não tiveram a mesma oportunidade.

Portanto, as considerações aqui expendidas sobre o tema são suficientes para se atestar a necessidade de reforma da decisão recorrida.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário, para reconhecer a legitimidade constitucional da regra inserida no edital do concurso público com o intuito de selecionar apenas os candidatos mais bem classificados para prosseguir no certame e, em consequência, denego a ordem pleiteada no mandado de segurança originário.