"Os obstáculos para a harmonia da convivência humana não são apenas de ordem jurídica, ou seja, devidos à falta de leis que regulem esse convívio; dependem de atitudes mais profundas, morais, espirituais, do valor que damos à pessoa humana, de como consideramos o outro." (Chiara Lubich)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

INFORMATIVO 768 - ASPECTOS CONSTITUCIONAIS

INFORMATIVO 768 – ASPECTOS QUE ENVOLVEM DIREITO CONSTITUCIONAL – PROF. CLARA MACHADO

Plenário
Ação de improbidade administrativa: Ministro de Estado e foro competente – Pet 3240 AgR/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 19.11.2014. (Pet-3240)

Ø  O Plenário iniciou julgamento de agravo regimental em petição no qual se discute a competência para processar e julgar ação civil por improbidade administrativa supostamente praticada por parlamentar, à época Ministro de Estado.
Ø  Na espécie, tribunal regional federal declinara de sua competência e remetera os autos o STF que, por sua vez, determinara a suspensão do processo até o final julgamento dos embargos de declaração na ADI 2.797/DF (DJe de 28.2.2013). Após o julgamento da referida ação — em que assentada a inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002, que acresceu os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do CPP —, o Ministro Cezar Peluso, então relator da petição, reconhecera a incompetência do STF e determinara o retorno dos autos ao juízo de origem. Ocorre que, anteriormente, em 13.6.2007, o STF concluíra, na Rcl 2.138/DF (DJe de 18.4.2008) pela “incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, c, da Constituição”.
Ø  No presente regimental, o agravante sustenta que: a) a Rcl 2.138/DF fixa a competência do STF para processar e julgar ações de improbidade contra réus com prerrogativa de foro criminal; b) o julgamento da ADI 2.797/DF não interfere na decisão deste processo; e c) os agentes políticos respondem apenas por crimes de responsabilidade, mas não pelos atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992.
Ø  O Ministro Teori Zavascki (relator) deu provimento ao agravo e consignou que seriam duas as questões trazidas a debate no recurso, ambas a respeito da posição jurídica dos agentes políticos em face da Lei 8.429/1992, que trata das sanções por ato de improbidade.
·         A primeira seria verificar se haveria submissão dos agentes políticos ao duplo regime sancionatório (o fixado na Lei 8.429/1992 e na Lei 1.079/1950, que dispõe sobre crimes de responsabilidade).
Ä  No que concerne à questão do duplo regime sancionatório, o relator enfatizou que, sob o ângulo constitucional, seria difícil justificar a tese de que todos os agentes políticos sujeitos a crime de responsabilidade, nos termos da Lei 1.079⁄1950 ou do Decreto-lei 201⁄1967, estariam imunes, mesmo que em parte, às sanções do art. 37, § 4º da CF (“§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”). Segundo essa norma constitucional, qualquer ato de improbidade estaria sujeito às sanções nela estabelecidas, inclusive à da perda do cargo e à da suspensão de direitos políticos.
Ä  O relator assinalou que ao legislador ordinário, por sua vez, a quem o dispositivo delegara competência apenas para normatizar a forma e a gradação dessas sanções, não seria dado limitar o alcance do referido mandamento constitucional. Somente a Constituição poderia fazê-lo e, salvo em relação a atos de improbidade do Presidente da República, não se poderia identificar no texto constitucional qualquer limitação dessa natureza.
Ä  Ressalvou que as normas constitucionais que dispõem sobre crimes de responsabilidade poderiam ser divididas em dois grandes grupos: a) as que tratam exclusivamente de competência para o processo e julgamento desses crimes — normas tipicamente instrumentais —, a estabelecerem foro por prerrogativa de função (CF, artigos 52, I e II; 96, III; 102, I, c; e 105, I); e b) as que dispõem sobre aspectos objetivos do crime, a indicar condutas típicas (CF, artigos 29-A, §§ 2º e 3º; 50, “caput” e § 2º; e 85, V).
Ä  Ponderou que não se poderia identificar nas normas do primeiro grupo qualquer elemento a indicar sua incompatibilidade material com o regime do art. 37, § 4º, da CF. O que elas incitariam seria um problema de ordem processual, concernente à necessidade de compatibilizar as normas sobre prerrogativa de foro com o processo destinado à aplicação das sanções por improbidade administrativa, em especial as que implicassem a perda do cargo e a suspensão dos direitos políticos. Quanto às normas do segundo grupo, a única alusão à improbidade administrativa como crime de responsabilidade seria a do inciso V do art. 85 da CF, ao considerar crime de responsabilidade os atos praticados pelo Presidente da República contra a “probidade na administração”, o que daria ensejo a processo e julgamento perante o Senado Federal (CF, art. 86). Somente nessa restrita hipótese é que se identificaria, no âmbito material, concorrência de regimes (o geral do art. 37, § 4º, e o especial dos artigos 85, V, e 86, todos da CF).
Ä  Não se poderia negar ao legislador ordinário a faculdade de dispor sobre aspectos materiais dos crimes de responsabilidade, a tipificar outras condutas além daquelas indicadas no texto constitucional. Essa atribuição existiria especialmente em relação a condutas de autoridades que a própria Constituição, sem tipificar, indicaria como possíveis agentes daqueles crimes.
Ä  Todavia, no desempenho de seu mister, ao legislador ordinário cumpriria observar os limites próprios da atividade normativa infraconstitucional, que não o autorizaria a afastar ou a restringir injustificadamente o alcance de qualquer preceito constitucional. Por isso mesmo, não lhe seria lícito, a pretexto de tipificar crimes de responsabilidade, excluir os respectivos agentes das sanções decorrentes do comando do art. 37, § 4º, da CF.
Ä  RESUMO: O Ministro Teori Zavascki frisou que, excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República, submetidos a regime especial, não haveria norma constitucional que imunizasse os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º, da CF. Igualmente incompatível com a Constituição seria eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza. Haveria situação de cunho estritamente processual relacionada com a competência para o processo e julgamento das ações de improbidade, já que elas poderiam conduzir agentes políticos da mais alta expressão a sanções de perda do cargo e a suspensão de direitos políticos. Essa seria a real e delicada questão institucional no que concerne à polêmica sobre atos de improbidade praticados por agentes políticos.
·         A segunda seria consolidar entendimento quanto à existência, ou não, de prerrogativa de foro nas ações que visassem a aplicar as mencionadas sanções, em face da ausência de posição do STF sobre o tema.
Ä  Concluiu que a solução constitucional para o problema seria o reconhecimento, também para as ações de improbidade, do foro por prerrogativa de função assegurado nas ações penais. Explicou que, embora as sanções aplicáveis aos atos de improbidade não tivessem natureza penal, haveria laços de identidade entre as duas espécies, seja quanto às funções (punitiva, pedagógica e intimidatória), seja quanto ao conteúdo.
Ä  Com efeito, não haveria diferença entre a perda da função pública ou a suspensão dos direitos políticos ou a imposição de multa pecuniária, quando decorrente de ilícito penal e de ilícito administrativo. Nos dois casos, as consequências práticas em relação ao condenado seriam idênticas.
Ä  A rigor, a única distinção se situaria em plano puramente jurídico, relacionado com os efeitos da condenação em face de futuras infrações, porquanto a condenação criminal produziria as consequências próprias do antecedente e da perda da primariedade, que poderiam redundar em futuro agravamento de penas ou, indiretamente, em aplicação de pena privativa de liberdade.
Ä  Ao se buscar consolidar entendimento quanto às regras sobre competências jurisdicionais, os dispositivos da Constituição comportam interpretação sistemática que permite preencher vazios e abarcar certas competências implícitas, mas inafastáveis por imperativo do próprio regime constitucional. Em suma, por entender que essa linha de compreensão também deveria ser adotada em relação ao foro por prerrogativa de função, o relator reconheceu a competência do STF para processar e julgar a ação de improbidade contra o requerido, deputado federal. Determinou, ainda, o desmembramento do processo em relação aos demais demandados para que, no tocante a eles, tivesse prosseguimento no foro próprio.

·         Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Roberto Barroso.


ADI: servidores públicos e vinculação remuneratória - ADI 3777/BA, rel. Min. Luiz Fux, 19.11.2014. (ADI-3777)

Ø  O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 47, “caput”, da Constituição do Estado da Bahia (“Lei disporá sobre a isonomia entre as carreiras de policiais civis e militares, fixando os vencimentos de forma escalonada entre os níveis e classes, para os civis, e correspondentes postos e graduações, para os militares”).
Ø  A Corte, ao reiterar o que decidido na ADI 3.295/AM (DJe de 5.8.2011) e na ADI 3.930/RO (DJe de 23.10.2009), afirmou que o estabelecimento de política remuneratória de servidores do Poder Executivo, à luz da separação de Poderes, seria de competência exclusiva do chefe daquele Poder (CF, art. 61, § 1º, II, a). Além disso, a norma constitucional estadual em exame, ao estabelecer, a toda evidência, hipótese de vinculação remuneratória entre policiais militares e policiais civis do Estado da Bahia, ofenderia o disposto no art. 37, XIII, da CF (“XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público”).
Ø  Ademais, o argumento de que se trataria de uma disposição meramente programática ou autorizativa para o legislador infraconstitucional, se revelaria frágil, uma vez que não se poderia conceder ao legislador autorização para editar atos normativos em desconformidade com o que estatui a Constituição Federal. O Ministro Roberto Barroso acompanhou o entendimento do Colegiado apenas quanto à inconstitucionalidade material da norma, no tocante à violação ao art. 37, XIII, da CF.

ADI: órgão de segurança pública e vício de iniciativa - ADI 2616/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 19.11.2014. (ADI-2616)
Ø  O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face da EC 10/2001, que inseriu a Polícia Científica no rol dos órgãos de segurança pública previsto na Constituição do Estado do Paraná.
Ø  A Corte afirmou que não se observara a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para disciplinar o funcionamento de órgão administrativo de perícia.

ADI: órgão de segurança pública e repristinação – ADI 2575/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 19.11.2014. (ADI-2575)

Ø  O Plenário iniciou julgamento de ação direta ajuizada em face da EC 10/2001, que inseriu a Polícia Científica no rol dos órgãos de segurança pública previsto na Constituição do Estado do Paraná. Além disso, também se impugna o art. 50 da Constituição estadual (“A Polícia Científica, com estrutura própria, incumbida das perícias de criminalísticas e médico-legais, e de outras atividades técnicas congêneres, será dirigida por peritos de carreira da classe mais elevada, na forma da lei”) em virtude da repristinação de sua redação primitiva, diante da declaração de inconstitucionalidade da EC 10/2001.
Ø  O Ministro Dias Toffoli (relator) julgou parcialmente procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da EC 10/2001 — já mencionada no caso acima —, bem como para conferir interpretação conforme à expressão “polícia científica”, constante da redação primitiva do art. 50 da Constituição do Estado do Paraná. O relator rememorou o entendimento firmado na ADI 2.827/RS (DJe de 6.4.2011) no sentido de que o rol de órgãos encarregados do exercício da segurança pública, previsto no art. 144, I a V, da CF, seria taxativo e de que esse modelo federal deveria ser observado pelos Estados-membros e pelo Distrito Federal. Frisou que nada impediria que a polícia científica, órgão responsável pelas perícias, continuasse a existir e a desempenhar suas funções, sem estar, necessariamente, vinculada à polícia civil, razão pela qual afastou a alegada inconstitucionalidade da redação originária do art. 50 da Constituição paranaense. Contudo, reputou necessário, com vistas a evitar confusão pelo uso do termo “polícia científica”, conferir-lhe interpretação conforme, para afastar qualquer interpretação que lhe outorgasse o caráter de órgão de segurança pública.
Ø  Em divergência, o Ministro Roberto Barroso julgou integralmente procedente o pedido formulado. Inicialmente, acompanhou o relator na parte em que declarada a inconstitucionalidade da citada emenda. Entretanto, dissentiu, em parte, para não repristinar o art. 50 da Constituição paranaense.  Considerou que esse artigo cairia por arrastamento, pelos mesmos fundamentos pelos quais julgada inconstitucional a aludida emenda, qual seja, a de instituir órgão — polícia técnica — fora da estrutura da polícia civil, o que seria materialmente incompatível com a Constituição. Sublinhou não ser possível criar uma polícia técnica fora da estrutura dos órgãos de segurança pública. Enfatizou que a polícia técnica deveria ter autonomia e não poderia estar subordinada ao delegado de polícia, mas sim à estrutura geral da polícia civil, a qual integraria, por mandamento constitucional. Ressaltou que sem a polícia técnica, a polícia civil não poderia cumprir as duas missões que a Constituição lhe atribuíra: polícia judiciária e a condução da investigação criminal.
Ø  Em seguida, pediu vista o Ministro Teori Zavascki.
ADI e participação de empregados em órgãos de gestão - ADI 1167/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 19.11.2014. (ADI-1167)
Ø  É constitucional o art. 24 da Lei Orgânica do Distrito Federal (“A direção superior das empresas públicas, autarquias, fundações e sociedades de economia mista terá representantes dos servidores, escolhidos do quadro funcional, para exercer funções definidas, na forma da lei”). Com base nesse entendimento, o Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade.
Ø  O Tribunal esclareceu que a norma em questão, por ser oriunda do poder constituinte originário decorrente, não sofreria vício de reserva de iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo. Frisou, ainda, não haver violação da competência privativa da União para legislar sobre direito comercial.
Ø  Além disso, a norma observaria a diretriz constitucional voltada à realização da ideia de gestão democrática.

ADI: reconhecimento de responsabilidade civil do Estado e iniciativa legislativa – ADI 2255/ES, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.11.2014. (ADI-2255)

Ø  O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face da Lei 5.645/1998 do Estado do Espírito Santo.
Ø  A referida norma, de iniciativa parlamentar, autoriza o Poder Executivo estadual a reconhecer sua responsabilidade civil pelas violações aos direitos à vida e à integridade física e psicológica decorrentes das atuações de seus agentes contra cidadãos sob a guarda legal do Estado. A Corte destacou não haver, na espécie, a alegada violação ao art. 61, § 1º, II, b, da CF, que fixa a competência privativa do Presidente da República para dispor sobre a organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios.
Ø  Ademais, a disciplina estabelecida na norma impugnada, a dispor sobre responsabilidade civil — matéria de reserva legal —, seria, inclusive, salutar. Permitiria que a Administração reconhecesse, “motu proprio”, a existência de violação aos direitos nela mencionados.

ADI: matéria orçamentária e competência legislativa -ADI 2124/RO, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.11.2014. (ADI-2124)
Ø  O Plenário julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do inciso I do art. 189 da Constituição do Estado de Rondônia, inserido pela EC estadual 17/1999, e confirmou, quanto a esse dispositivo, medida cautelar anteriormente deferida (noticiada no Informativo 195). A Corte afirmou que a norma impugnada, ao considerar como integrantes da receita aplicada na manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas empenhadas, liquidadas e pagas no exercício financeiro, afrontaria o quanto disposto no art. 24, I, II, e § 1º, da CF (“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; II - orçamento; ... § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais”).
Ø  O Ministro Roberto Barroso, ao acompanhar esse entendimento, acrescentou que o art. 212 da CF (“A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”) estabeleceria a necessidade de efetiva liquidação das despesas nele versadas. Não bastaria, portanto, o simples empenho da despesa para que se considerasse cumprido o mandamento constitucional, prática adotada pelo Estado de Rondônia.

Repercussão Geral

Dano moral e manifestação de pensamento por agente político – RE 685493/SP rel. Min. Marco Aurélio, 20.11.2014. (RE-685493)


Ø  O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a existência de direito a indenização por dano moral em razão da manifestação de pensamento por agente político, considerados a liberdade de expressão e o dever do detentor de cargo público de informar. Na espécie, o recorrente — Ministro de Estado à época dos fatos — fora condenado ao pagamento de indenização por danos morais em virtude de ter imputado ao ora recorrido responsabilidade pela divulgação do teor de gravações telefônicas obtidas a partir da prática de ilícito penal.
Ø  O Ministro Marco Aurélio (relator) deu provimento ao recurso para reformar o acórdão recorrido e julgar improcedente o pedido formalizado na inicial. A princípio, destacou que, diferentemente do regime aplicável aos agentes públicos, o regime de direito comum, aplicável aos cidadãos, seria de liberdade quase absoluta de expressão, assegurada pelos artigos 5º, IV e XIV, e 220, “caput”, e § 2º, ambos da CF. No sistema constitucional de liberdades públicas, a liberdade de expressão possuiria espaço singular e teria como único paralelo, em escala de importância, o princípio da dignidade da pessoa humana, ao qual relacionado. O referido direito seria alicerce, a um só tempo, do sistema de direitos fundamentais e do princípio democrático, portanto, genuíno pilar do Estado Democrático de Direito.
Ø  Segundo a jurisprudência do STF, as restrições à liberdade de expressão decorreriam da colisão com outros direitos fundamentais previstos no texto constitucional, dos quais seriam exemplos a proteção da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem de terceiros (CF, art. 5º, X). Porém, ainda que fosse possível a relativização de um princípio em certos contextos, seria forçoso reconhecer a prevalência da liberdade de expressão quando em confronto com outros valores constitucionais, raciocínio que encontraria diversos e cumulativos fundamentos. Assim, a referida liberdade seria uma garantia preferencial em razão da estreita relação com outros princípios e valores constitucionais fundantes, como a democracia, a dignidade da pessoa humana e a igualdade.
Ø  Nesse sentido, o livre desenvolvimento da personalidade, por exemplo, um dos alicerces de vida digna, demandaria a existência de um mercado livre de ideias, onde os indivíduos formariam as próprias cosmovisões. Outrossim, sob o prisma do princípio democrático, a liberdade de expressão impediria que o exercício do poder político pudesse afastar certos temas da arena pública de debates, na medida em que o funcionamento e a preservação do regime democrático pressuporia alto grau de proteção aos juízos, opiniões e críticas, sem os quais não se poderia falar em verdadeira democracia.
Ø  O relator afirmou que, por outro lado, os agentes públicos estariam sujeitos a regime de menor liberdade em relação aos indivíduos comuns, tendo em conta a teoria da sujeição especial. Portanto, a relação entre eles e a Administração, funcionalizada quanto ao interesse público materializado no cargo, exigiria que alguns direitos fundamentais tivessem a extensão reduzida. Desse modo, no rol de direitos fundamentais de exercício limitado alusivos aos servidores públicos estaria a liberdade de expressão, por exemplo, no que diz com o dever de guardar sigilo acerca de informações confidenciais (CF, art. 37, § 7º).
Ø  No caso em comento, entretanto, o que estaria em debate não seria a liberdade de expressão nas relações entre o servidor e a própria Administração Pública, à qual estaria ligado de forma vertical. Buscar-se-ia definir a extensão do direito à liberdade de expressão no trato com os administrados de modo geral e presente a coisa pública. Dentre os servidores públicos, se destacariam os agentes políticos — integrantes da cúpula do Estado e formadores de políticas públicas —, competindo-lhes formar a vontade política do Estado.
Ø  Aqueles agentes estatais deveriam, portanto, gozar de proteção especial, o que seria estabelecido pela própria Constituição, por exemplo, no tocante aos integrantes do Poder Legislativo (CF, artigos 25; 29, VIII; e 53, “caput”).
Ø  De igual modo, os agentes políticos inseridos no Poder Executivo, embora não possuíssem imunidade absoluta quando no exercício da função, deveriam também ser titulares de algum grau de proteção conferida pela ordem jurídica constitucional.
·         Isso se daria por dois motivos. Primeiramente, porque existiria evidente interesse público em que os agentes políticos mantivessem os administrados plenamente informados a respeito da condução dos negócios públicos, exigência clara dos princípios democrático e republicano. Em outras palavras, haveria o dever de expressão do agente público em relação aos assuntos públicos, a alcançar não apenas os fatos a respeito do funcionamento das instituições, mas até mesmo os prognósticos que eventualmente efetuassem.
·         Consequentemente, reconhecer a imunidade relativa no tocante aos agentes do Poder Executivo, como ocorreria com os membros do Poder Legislativo, no que tange às opiniões, palavras e juízos que manifestassem publicamente, seria importante no sentido de fomentar o livre intercâmbio de informações entre eles e a sociedade civil.
·         Em segundo lugar, por conta da necessidade de reconhecer algum grau de simetria entre a compreensão que sofrem no direito à privacidade e o regime da liberdade de expressão. No ponto, o STF admitiria a ideia de que a proteção conferida à privacidade dos servidores públicos situar-se-ia em nível inferior à dos cidadãos comuns, conforme decidido na SS 3.902 AgR-segundo/SP (DJe de 3.10.2011). O argumento seria singelo: aqueles que ocupassem cargos públicos teriam a esfera de privacidade reduzida. Isso porque o regime democrático imporia que estivessem mais abertos à crítica popular. Em contrapartida, deveriam ter também a liberdade de discutir, comentar e manifestar opiniões sobre os mais diversos assuntos com maior elasticidade que os agentes privados, desde que, naturalmente, assim o fizessem no exercício e com relação ao cargo público ocupado.
Ø  Seria plausível, portanto, no contexto da Constituição, reconhecer aos servidores públicos campo de imunidade relativa, vinculada ao direito à liberdade de expressão, quando se pronunciassem sobre fatos relacionados ao exercício da função pública. Essa liberdade seria tanto maior quanto mais flexíveis fossem as atribuições políticas do cargo que exercessem, excluídos os casos de dolo manifesto, ou seja, o deliberado intento de prejudicar outrem.
Ø  O relator asseverou que, consideradas as premissas expostas, restaria analisar se teria havido, ou não, extrapolação no caso em comento, afinal, a integração entre norma e fatos mostrar-se-ia particularmente relevante quando se tratasse do conflito entre proteção à personalidade e liberdade de expressão.
Ø  No caso dos autos, o recorrente teria declarado, em entrevistas veiculadas em matérias jornalísticas, a suspeita de que o recorrido teria promovido a distribuição de fitas cassete obtidas por intermédio de interceptação telefônica ilícita, suposição que seria confirmada ou desfeita no curso de inquérito policial sob a condução da polícia federal. Da análise dos fatos, surgiriam três certezas: a) as afirmações feitas pelo recorrente teriam sido juízos veiculados no calor do momento, sem maior reflexão ou prova das declarações; b) em nenhuma entrevista teria sido explicitada acusação peremptória de que o recorrido teria praticado o crime de interceptação ilegal de linhas telefônicas; ao contrário, as manifestações seriam sempre obtemperadas no sentido da ausência de certeza quanto ao que apontado; e c) as afirmações feitas pelo recorrente, então Ministro das Comunicações, teriam ocorrido no bojo das controvérsias a envolver a privatização da telefonia no País, fenômeno capitaneado pelo Ministério que comandava.
Ø   Assim, o nexo de causalidade entre a função pública exercida pelo recorrente e as declarações divulgadas a levantar suspeitas sobre o recorrido, o qual detinha negócios com a Administração Pública Federal e, mais especificamente, em seara alcançada pelo Ministério das Comunicações, deixaria nítida a natureza pública e política da disputa. Por fim, e ante a motivação consignada, tudo o que se acrescentasse ao campo da calúnia, da injúria, da difamação e das ações reparatórias por danos morais seria subtraído ao espaço da liberdade. Obviamente, imputações sabidamente falsas não poderiam ser consideradas legítimas em nenhum ordenamento jurídico justo. Porém, o desenvolvimento da argumentação revelaria não ser esse o quadro retratado na espécie.
Ø  Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Luiz Fux.



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