INFORMATIVO 769 – ASPECTOS QUE
ENVOLVEM DIREITO CONSTITUCIONAL – PROF. CLARA MACHADO
Repercussão Geral
Isonomia - Art. 384 da
CLT e recepção pela CF/1988 – RE 658312/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 27.11.2014. (RE-658312)
Ø O
art. 384 da CLT [“Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um
descanso de quinze (15) minutos no mínimo, antes do início do período
extraordinário do trabalho”] foi recepcionado pela CF/1988 e se aplica a todas
as mulheres trabalhadoras.
Ø Essa
a conclusão do Plenário que, por maioria, desproveu recurso extraordinário em
que discutida a compatibilidade do referido dispositivo com a Constituição
vigente, à luz do princípio da isonomia, para fins de pagamento, pela empresa
empregadora, de indenização referente ao intervalo de 15 minutos, com adicional
de 50% previsto em lei.
Ø Preliminarmente,
o Colegiado, por decisão majoritária, rejeitou questão de ordem, suscitada pelo
Ministro Marco Aurélio, no sentido de não haver quórum para julgamento, tendo
em conta se tratar de conflito de norma com a Constituição, e a sessão contar
com menos de oito integrantes. No ponto, o Ministro Celso de Mello frisou que
não se cuidaria de juízo de constitucionalidade, mas de discussão em torno de
direito pré-constitucional. Assim, o juízo da Corte seria positivo ou negativo
de recepção. Vencido o suscitante.
Ø No
mérito, o Colegiado ressaltou que a cláusula
geral da igualdade teria sido expressa em todas as Constituições
brasileiras, desde 1824. Entretanto, somente com a CF/1934 teria sido
destacado, pela primeira vez, o tratamento igualitário entre homens e mulheres.
Ø Ocorre
que a essa realidade jurídica não teria garantido a plena igualdade entre os
sexos no mundo dos fatos. Por isso, a CF/1988 teria explicitado, em três
mandamentos, a garantia da igualdade. Assim: a) fixara a cláusula geral de igualdade, ao prescrever que todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; b) estabelecera
cláusula específica de igualdade de gênero, ao declarar que homens e mulheres
são iguais em direitos e obrigações; e c) excepcionara a possibilidade de
tratamento diferenciado, que seria dado nos termos constitucionais. Por
sua vez, as situações expressas de tratamento desigual teriam sido dispostas
formalmente na própria Constituição, a exemplo dos artigos 7º, XX; e 40, § 1º,
III, a e b. Desse modo, a Constituição se utilizara de alguns
critérios para o tratamento diferenciado.
Ø Em
primeiro lugar, considerara a histórica exclusão da mulher do mercado regular
de trabalho e impusera ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas,
administrativas e legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do
trabalho. Além disso, o texto
constitucional reputara existir componente biológico a justificar o tratamento
diferenciado, tendo em vista a menor resistência física da mulher.
Ademais, levara em conta a existência de componente
social, pelo fato de ser comum o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no
ambiente de trabalho.
Ø No caso, o dispositivo legal em comento
não retrataria mecanismo de compensação histórica por discriminações
socioculturais, mas levara em conta os outros dois critérios (componentes
biológico e social).
Ø O Plenário assinalou que esses
parâmetros constitucionais legitimariam tratamento diferenciado, desde que a
norma instituidora ampliasse direitos fundamentais das mulheres e atendesse ao
princípio da proporcionalidade na compensação das diferenças.
Ø O
Colegiado reputou que, ao se analisar o teor da norma discutida, seria possível
inferir que ela trataria de forma proporcional de aspectos de evidente
desigualdade, ao garantir período mínimo de descanso de 15 minutos antes da
jornada extraordinária de trabalho à mulher.
Ø Embora, com o tempo, tivesse ocorrido a
supressão de alguns dispositivos a cuidar da jornada de trabalho feminina na
CLT, o legislador teria mantido a regra do art. 384, a fim de garantir à
mulher diferenciada proteção, dada sua identidade biossocial peculiar. Por sua
vez, não existiria fundamento sociológico ou comprovação por dados estatísticos
a amparar a tese de que essa norma dificultaria ainda mais a inserção da mulher
no mercado de trabalho.
Ø O discrímen não violaria a
universalidade dos direitos do homem, na medida em que o legislador vislumbrara
a necessidade de maior proteção a um grupo de trabalhadores, de forma
justificada e proporcional.
Ø Inexistiria,
outrossim, violação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, recepcionada pela Constituição, que proclamara,
inclusive, outros direitos específicos das mulheres: a) nas relações
familiares, ao coibir a violência doméstica; e b) no mercado de trabalho, ao
proibir a discriminação e garantir proteção especial mediante incentivos
específicos.
Ø Dessa forma, tanto as disposições
constitucionais como as infraconstitucionais não impediriam tratamentos
diferenciados, desde que existentes elementos legítimos para o discrímen e que
as garantias fossem proporcionais às diferenças existentes entre os gêneros ou,
ainda, definidas por conjunturas sociais. Na espécie, não houvera
tratamento arbitrário em detrimento do homem.
Ø A
respeito, o Colegiado anotou outras espécies normativas em que concebida a
igualdade não a partir de sua formal acepção, mas como um fim necessário em
situações de desigualdade: direitos trabalhistas extensivos aos trabalhadores
não incluídos no setor formal; licença maternidade com prazo superior à licença
paternidade; prazo menor para a mulher adquirir direito à aposentadoria por
tempo de serviço e contribuição; obrigação de partidos políticos reservarem o
mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo; proteção
especial para mulheres vítimas de violência doméstica; entre outras. Além
disso, a jurisprudência da Corte entenderia possível, em etapa de concurso
público, exigir-se teste físico diferenciado para homens e mulheres quando
preenchidos os requisitos da necessidade e da adequação para o discrímen.
Ø Não
obstante, o Colegiado concluiu que, no futuro, poderia haver efetivas e reais
razões fáticas e políticas para a revogação da norma, ou mesmo para ampliação
do direito a todos os trabalhadores.
Ø O
Ministro Gilmar Mendes sublinhou que a Corte só poderia invalidar a
discriminação feita pelo legislador se ela fosse arbitrária, o que não seria o
caso.
Ø O
Ministro Celso de Mello frisou que o juízo negativo de recepção do art. 384 da
CLT implicaria transgressão ao
princípio que veda o retrocesso social, que cuidaria de impedir que os níveis
de concretização de prerrogativas inerentes aos direitos sociais, uma vez
atingidos, viessem a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses em que
políticas compensatórias viessem a ser implementadas.
Ø A
Ministra Cármen Lúcia acrescentou que a Constituição atual teria inovado no
sentido de estabelecer um sistema jurídico capaz de possibilitar novos espaços
de concretização de direitos que sempre existiram — notadamente o princípio da
igualdade.
Ø Vencidos
os Ministros Luiz Fux e Marco Aurélio, que proviam o recurso, para assentar a
não-recepção do art. 384 da CLT pela CF/1988. O Ministro Luiz Fux ponderava
que, em atendimento à isonomia, o dispositivo deveria ser aplicável somente em
relação às atividades que demandassem esforço físico. O Ministro Marco Aurélio
considerava que o preceito trabalhista não seria norma protetiva, mas criaria
discriminação injustificada no mercado de trabalho, em detrimento da mulher.
Nenhum comentário:
Postar um comentário