INFORMATIVO 762 – ASPECTOS QUE ENVOLVEM DIREITO
CONSTITUCIONAL – PROF. CLARA MACHADO
Plenário
Conflito federativo e limites territoriais - ACO
347/BA, rel. Min. Luiz Fux, 8.10.2014. (ACO-347) e ACO 652/PI, rel. Min. Luiz Fux, 8.10.2014. (ACO-652)
Ø
Competência
originária do STF para julgar conflito federativo nos termos do art. 102, I, f,
CF
Ø
O Plenário deu parcial provimento a ações cíveis
originárias para que fossem fixadas as linhas divisórias entre os Estados da
Bahia e de Goiás e entre os Estados do Piauí e do Tocantins segundo laudo
técnico realizado pelo Serviço Geográfico do Exército.
Repercussão Geral
Art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991 e
“desaposentação” - RE 661256/SC, rel. Min. Roberto Barroso, 9.10.2014. (RE-661256)e RE 827833/SC, rel. Min.
Roberto Barroso, 9.10.2014. (RE-827833)
Ø
O Plenário iniciou julgamento de recursos
extraordinários em que se discute a possibilidade de reconhecimento da “desaposentação”,
consistente na renúncia a benefício de aposentadoria, com a utilização do tempo
de serviço ou contribuição que fundamentara a prestação previdenciária
originária, para a obtenção de benefício mais vantajoso em nova aposentadoria.
Ø
Na espécie, beneficiários do Regime Geral de
Previdência Social - RGPS obtiveram êxito em ações judiciais ajuizadas em face
do INSS para que lhes fosse concedido novo benefício previdenciário, em
detrimento de outro anteriormente auferido, em razão da permanência dos
segurados em atividade e do consequente preenchimento dos requisitos legais
para uma nova modalidade de aposentação.
Ø
O Tribunal, de início, rejeitou questão
preliminar relativa à alegada nulidade do acórdão recorrido por suposta ofensa
à cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97), no ponto em que teria sido
declarada, implicitamente, a inconstitucionalidade do § 2º do art. 18 da Lei
8.213/1991 (“O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que
permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus
a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa
atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando
empregado”). Asseverou não ter havido, no caso, declaração de
inconstitucionalidade, visto que, ao afirmar a validade da “desaposentação”, o
acórdão recorrido teria entendido, simplesmente, não haver na legislação
brasileira norma específica que cuidasse do instituto e, portanto, não lhe
seria aplicável a referida norma. Assinalou ter ocorrido interpretação do
próprio sistema que disciplinaria o regime de previdência social.
Ø
No mérito, o Ministro Roberto Barroso (relator),
deu parcial provimento aos recursos para assentar o direito dos recorridos à
“desaposentação”, observados, para o cálculo do novo benefício, os fatores
relativos à idade e à expectativa de vida — elementos do fator previdenciário —
aferidos no momento da aquisição da primeira aposentadoria.
Ä
Consignou que a Constituição instituiria para o RGPS
duplo fundamento: contributividade e solidariedade.
- O caráter
contributivo adviria do fato de os próprios trabalhadores arcarem com parte da
contribuição social destinada à previdência social, nos termos dos artigos 195,
II, e 201 da CF.
- Já o caráter
solidário teria como base o princípio da dignidade humana e o fato de toda a
sociedade participar, em alguma medida, do custeio da previdência. Afirmou que,
por conta disso, e por se tratar de sistema de repartição simples, não haveria,
no sistema brasileiro, comutatividade estrita entre contribuição e benefício.
Aduziu que, dentro dessas balizas — solidariedade e caráter contributivo —, o
legislador ordinário teria amplo poder de conformação normativa do sistema
previdenciário.
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Entretanto, haveria dois limites ao mencionado
poder: a) a correspondência mínima entre contribuição e benefício — embora não
houvesse comutatividade rígida entre ambos —, sob pena de se anular o caráter
contributivo do sistema; e b) o dever de observância ao princípio da isonomia,
que seria objetivo da República, direito fundamental e princípio específico do RGPS
(CF, art. 201, § 1º). Consignou serem estes dois limites os parâmetros da
solução proposta no caso dos autos. Registrou que os aposentados do regime
geral, diferentemente dos aposentados do regime próprio dos servidores públicos,
seriam imunes à cobrança de contribuição previdenciária, nos termos do art.
195, II, da CF, porém, se voltassem a trabalhar, estariam sujeitos aos deveres
impostos a todos os trabalhadores ativos, inclusive a contribuição social
incidente sobre os salários percebidos na nova atividade.
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Frisou que a simetria de deveres, no entanto,
não se repetiria no tocante aos seus direitos — na interpretação que se
pretenderia conferir ao § 2º do art. 18 da Lei 8.213/1991 —, tendo em conta que
a norma disporia que o trabalhador que voltasse à ativa, após ter sido
aposentado, receberia apenas salário-família e reabilitação profissional. Asseverou
que violaria o sistema constitucional contributivo e solidário impor-se ao
trabalhador, que voltasse à atividade, apenas o dever de contribuir, sem poder
aspirar a nenhum tipo de benefício em troca, exceto os mencionados salário-família
e reabilitação. Concluiu que a vedação pura e simples da “desaposentação” —
que, ademais, não constaria expressamente de nenhuma norma legal —, produziria
resultado incompatível com a Constituição, ou seja, obrigar o trabalhador a
contribuir sem ter perspectiva de benefício posterior.
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O relator destacou que a “desaposentação” seria
possível, visto que o § 2º do art. 18 da Lei 8.213/1991, diferentemente do que
alegado pelos recorrentes, não impossibilitaria a renúncia ao vínculo
previdenciário original, com a aquisição de novo vínculo. Ressaltou, porém,
que, para a concessão do novo benefício, deveriam ser levados em conta os
proventos já recebidos pelo segurado — a despeito de serem válidos e de terem
sido recebidos de boa-fé —, e as contribuições pagas após a aposentadoria
original.
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Advertiu que essas condições levariam em conta a
necessidade de que a fórmula atuarial que se aplicasse aos segurados fosse uma
fórmula universalizável e que produzisse o mesmo resultado para todos os que se
encontrassem em igual situação dentro do sistema.
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Observou que, nos termos do art. 29, I, da Lei
8.213/1991, o cálculo do benefício previdenciário se daria ao multiplicar-se a
média aritmética das contribuições pelo fator previdenciário, este último
composto por quatro variáveis: tempo de contribuição, alíquota de contribuição,
idade e expectativa de vida. Indicou que, quanto às duas primeiras — tempo e
alíquota de contribuição — dever-se-ia computar todo o período que antecedesse
a “desaposentação”, isto é, tanto o período anterior, como o posterior ao
estabelecimento do primeiro vínculo previdenciário. Já quanto às duas outras
variáveis relativas ao fator previdenciário — idade e expectativa de vida —,
que teriam como finalidade graduar o benefício em função do tempo que o
segurado ainda viria a permanecer no sistema, asseverou que, para a efetivação
da “desaposentação”, deveria ser considerado, como marco temporal, o momento em
que o primeiro vínculo fora estabelecido. Ressaltou que a aplicação da fórmula
descrita faria com que o segundo benefício, resultante da “desaposentação”,
fosse intermediário em relação a duas situações extremas também aventadas:
proibir a “desaposentação” ou permiti-la sem a restituição de qualquer parcela
dos proventos anteriormente recebidos. Registrou que a mencionada forma de
cálculo produziria, ao redundar num aumento médio de 24,7% no valor da
aposentadoria, custo fiscal totalmente assimilável. Aduziu, portanto, que, quem
se aposentasse pela segunda vez, já tendo desfrutado dos benefícios do sistema
por certo período, não iria se aposentar novamente, em condições iguais às
daqueles que se aposentassem pela primeira vez e nunca tivessem sido
beneficiários do sistema. A razão da diferença seria objetiva e não haveria
legitimidade constitucional em se equiparar as duas situações, sob pena de se
tratar igualmente desiguais. Afirmou que a solução proposta se afiguraria
justa, porquanto o segurado não contribuiria para o sistema previdenciário em
vão, mas também não se locupletaria deste último, além de preservar seu
equilíbrio atuarial.
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Propôs que a decisão da Corte começasse a
produzir efeitos somente a partir de 180 dias da publicação, o que permitiria ao
INSS e à União que se organizassem para atender a demanda dos potenciais
beneficiários, tanto sob o ponto de vista operacional, quanto do custeio. Além
disso, prestigiaria, na maior medida legítima, a liberdade de conformação do
legislador, que poderia instituir regime alternativo ao apresentado e que
atendesse às diretrizes constitucionais delineadas.
Ø
Em síntese, o Ministro Roberto Barroso assentou
as seguintes diretrizes:
a) inexistência de fundamentos
legais válidos que impediriam a renúncia a uma aposentadoria concedida pelo RGPS
para o fim de requerimento de um novo benefício mais vantajoso, tendo em conta as
contribuições obrigatórias efetuadas em razão de atividade laboral realizada
após o primeiro vínculo;
b) exigência de que fossem
levados em consideração os proventos já recebidos pelo interessado, com o
objetivo de preservar a uniformidade atuarial, relacionada à isonomia e à
justiça entre gerações;
c) utilização, no
cálculo dos novos proventos, dos fatores idade e expectativa de vida com referência
ao momento de aquisição da primeira aposentadoria, de modo a impedir a
deturpação da finalidade desses fatores como instrumentos de graduação dos
benefícios segundo o tempo estimado de sua fruição pelo segurado; e
d) produção dos
efeitos da decisão a partir de 180 dias contados da publicação do acórdão, salvo
edição de ato normativo para disciplinar a matéria de modo diferente.
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